Textos




Quero logo dizer que não tenho culpa se estou aqui. Um moço me falou pra vir; disse que eu ia achar consolo pra minhas aflições. E são muitas as miseráveis das aflições! Sou um morto-vivo, muito além de um simples suicida, até porque, se o senhor se dispõe a me ouvir um pouquinho, vai ficar sabendo que eles já me suicidaram há muito tempo.

Depois, se eu não aceitasse o convite de vir para cá, não restava mais nada pra aceitar. Mudei de malas e bagagens. Minha mulher é que achou uma loucura. Não quis vir. Continuou lá, ao pé da montanha onde a gente nasceu deixando o cabelo crescer, porque algum profeta da Bíblia gosta de mulher de cabelos longos.

Faz alguns dias e noites que cheguei. O homem que me convidou não apareceu. Não conheço ninguém e ninguém parece querer me conhecer. Nem perguntam meu nome. Vai ver acham que eu nem tenho nome. Os meus problemas, então, não contei a senhor ninguém. Estou ficando cada vez mais mudo. Daqui a pouco fico cego também.

Mas o lugar é muito, muito bonito. Nunca pensei de ver na vida lugar mais lindo. Por acaso, o senhor sabe onde mora o moço que me convidou? Talvez ele se lembre de mim e me chame pelo meu nome que, a esta altura, eu já esqueci.


alexandre gazineo
Enviado por alexandre gazineo em 27/11/2007
Alterado em 20/05/2013


Comentários