A rua em que nasci se chama Jardim Esperança
Rua discreta em bairro alto, sem orgulho
a escola primária das primeiras sílabas ao centro
à direita de quem sobe, à esquerda de quem desce
(Jesus e Maria Imaculada nos protejam
nós, as crianças-flores no pátio).
A escola não tem mais...
mas as crianças, estas existem ainda
neste século estranho
em que nos aproximamos da velhice
como pequenos asteroides desorientados.
Não sei quantas esperanças de fato pulsavam
naquele jardim desolado de plantas
(eram poucas árvores na rua, mesmo para uma criança
ignorante da ecologia)
mas sei que descansavam sublimes em mim
sempre que à minha casa retornava
cansado das peladas e dos jogos mirins.
Eu navegava pelo mundo, pequeno porta-aviões
armado pela munição inocente
(nem uma só bala, é bom que se diga)
dos revolveres de Roy Rogers
(tão doce a surpresa de Donnie!)
levado no voo do Super-Homem
Metrópoles e um canto alegre no coração.
E sem contar a festa dos vizinhos
os fogos de artifício em dia de São João...
meu pai inventando jornadas às estrelas
em cada morteiro Caramuru...
era época de suaves devaneios
em que as vozes se elevavam
em homenagem à fogueira e ao quentão.
Tinha a casa de dona Zete, lá no fim da rua
encerrando nosso corredor de abraços...
E os jardins do mestre Guillardo cada vez mais densos
era nossa floresta familiar...
nossa Amazônia pura e intocada.
Na Escola Normal as moças de saias azuis pregueadas
seguiam aflitas os concursos de miss
era tão normal a escola que seria possível
passar por ela sem perceber que era uma escola.
Minha mãe a diretora, voz precisa, gestos fortes
não deixava a disciplina voar como palha ao vento...
Minha mãe que sabia ser doce e amara
como licor de jenipapo
ou abraço de um amigo distante.
Não sei se agora romanceio o que era comum
Só uma ruazinha desimportante da gloriosa primeira capital
(Salvador, salva a dor deste pensar)
Mas é difícil deslembrar
O pão quentinho da padaria do sêo Cláudio
Ou o picolé de coco da sorveteria Normalista
Ou o papagaio orador da quitanda do velho Anísio...
Estes quadros estão tão presos no que sou
que sou deles hospitaleira galeria...
Não estou disposto a negar minhas reconstruções
nem menosprezar minhas pequenas alegrias.
E é por tudo isto que me permito
relembrar do jeito mais deslavado
cada pedaço do mosaico juvenil
que me antecede na maturidade insossa...
Que desta rendição eu não sofra...
Quero lembrar e mais não digo.
Nunca mais voltei ao Jardim Esperança
(ainda assim se chama? Não sei...)
Retornar ao que vivemos pode ser perigoso
Por conta das armadilhas da comparação...
Levo comigo aquela rua, que era das esperanças
Jardim...
Sou agora o quase velho esgotado
que pergunta;
ainda há flores em mim?
alexandre gazineo
Enviado por alexandre gazineo em 08/05/2018