O século vinte que já mereceu o cognome de ‘era dos extremos’, foi o berço do cinema. Nesse sentido, pode-se dizer que o cinema é a atividade artística mais característica deste século, já que se apresenta como sendo um veículo cultural, um meio de propagação de idéias e valores, absolutamente engendrado e revelado graças a técnicas desenvolvidas nos primeiros anos do século anterior, afirmando-se como talvez o único meio de manifestação artística originada nesse período. Ao se fazer essa afirmativa, o que se deseja é estabelecer uma relação de independência entre o cinema e outras manifestações artísticas que, a princípio, podem parecer trazer gravadas sobre si o emblema do século XX.
Nesse sentido, o rock n’ roll, que explode nos anos cinqüenta, deve ser compreendido como, no máximo, um novo gênero musical, mas não como uma expressão autônoma do fazer artístico, não como uma nova forma de arte. E mesmo em se tratando de rock n’ roll – sem dúvida o movimento musical mais eloqüente e popular do século XX – não se pode esquecer que, inserido no gênero musical, traz consigo marcadas influências de outras vertentes como o blues, já bem amadurecidas desde o final do século XIX.
O cinema, portanto, é nova forma de arte que encontra raízes nos caracteres próprios do século que se iniciava; utiliza todo um aparelhamento técnico que a evolução científica, desenvolvida na segunda metade do século XIX – como, por exemplo, a eletricidade, a fotografia etc – e que vai permitir a fixação de uma nova forma de comunicação de idéias e valores, cujas principais características são o recurso à imagem em movimento, que significa um dado novo em relação às artes plásticas tradicionais, como a pintura e a escultura; a possibilidade de reprodução do objeto artístico, graças ao uso do celulóide, que faz do cinema um meio de comunicação que registra a obra produzida, com caráter de relativa perenidade, permitindo a sua revisão em tempos e por públicos diferentes; uma maior coletivização no consumo do bem artístico, já que, ao contrário de outras manifestações da arte – como a literatura – o cinema se caracteriza por uma participação de audiências maiores, tanto em número, como também em relação ao espaço geográfico alcançado, aspecto no qual inova em relação ao teatro, já que o filme – ao contrário das montagens teatrais, circunscritas à cidade ou país onde é montada – conseguiu extrapolar fronteiras e se internacionalizar de forma crescente.
A soma destas características faz com que o cinema se afirme como arte que estabelece, desde o início, um novo paradigma na produção cultural, qual seja, a busca de uma linguagem artística universal, na qual intervenha, o menos possível, os caracteres sócio-culturais de determinado grupo humano, seja aquele responsável pela criação do bem artístico produzido, seja os que vão atuar como receptores do produto final.
Esta tendência faz com que o cinema, por conseqüência, seja concebido como arte que não se conformaria ao aspecto elitista da chamada ‘grande arte’ produzida no final do século XIX e início do século XX – e ai se pode pensar desde obras literárias de autores como James Joyce e Marcel Proust, ao teatro surreal de Antonin Artaud e Pirandello – optando por buscar o seu material de trabalho em temas com maior apelo popular. Neste sentido, já em 1902 surge Voyage Dans La Lune, dirigido por Georges Méliès, baseado em novela do popular autor francês Jules Verne, em 1907 um filme dinamarquês intitulado Kameliadamen, dirigido por Viggo Larsen, e baseado na popular peça A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho e, na Inglaterra, em 1909, surge a primeira versão cinematográfica de Oliver Twist, dirigida por J. Stuart Blackton, com base no romance de Charles Dickens.
Estes três exemplos do cinema produzido na Europa demonstram uma forte tendência de captar para as telas obras literárias que se tornaram extremamente populares. Na verdade, o cinema manteve com a literatura uma relação sempre muito próxima, já que esta ofereceu, em bom número, o material predominante das primeiras realizações cinematográficas, ainda na época do cinema mudo.
Ao lado da literatura, outra fonte de temas para o cinema foi a História. Mais uma vez, J. Stuart Blackton traz à tela, em quinze cenas, a tragédia Julio César, de Shakeaspeare, em 1908; Maurice Elvey, em 1918, adapta a obra The Life of Nelson, do historiador Robert Southey, trazendo às telas a vida do Almirante Nelson, herói nacional da Batalha de Trafalgar; em 1927, Abel Gance lança Napoléon, até hoje considerada a melhor adaptação para o cinema da vida do célebre general francês; e em 1925, Sergei M. Eisenstein lança sua obra-prima, O Encouraçado Potenkin (Bronenosets Potyomkin), que narra, em tom de semidocumentário, os conflitos decorrentes de um motim na Marinha Russa, ocorrido em 1905.
A literatura e a História funcionaram como fontes de inspiração para o cinema descobrir, paulatinamente, sua própria linguagem. Os temas oferecidos por ambas, além disto, eram capazes de despertar a atenção do público, nessa época ainda não inteiramente afeiçoado com o cinema. Deste modo, a transposição para a tela de temas já conhecidos de grande parte da platéia diminuía, em bom termo, uma eventual resistência dos mais conservadores e, ao mesmo tempo, despertava a curiosidade dos mais interessados na nova arte.
Esta breve introdução ao cinema vem mostrar que já na primeira década do século XX existia uma produção crescente de filmes, principalmente na Europa. No entanto, para chegar à época e à produção temas deste livro, foram precisas mais de seis décadas – décadas que coincidiram com a Idade de Ouro do cinema – época em que a fusão de experiências, estilos, gêneros e ciclos cinematográficos se definiram na percepção do público.
Dentre os gêneros cinematográficos mais populares, ao menos até os anos cinqüenta, não há como negar que o western tem especial destaque. Sendo assim, antes de se falar em western spaghetti ou, como conhecido entre nós, bang-bang italiano, é preciso tecer alguns comentários sobre o surgimento do gênero western, seu desenvolvimento e características mais importantes e como estes aspectos vão influenciar, em maior ou menor intensidade, o ciclo de filmes do western spaghetti.
Ao fim desta introdução, é importante frisar que este livro não tem como autor um crítico de cinema e nem um historiador. O que se pretende é lançar luz sobre filmes que, em geral, sempre foram massacrados pela crítica especializada, embora lembrados até hoje. É uma homenagem, no que qualquer homenagem deve ter de melhor: lembrar para sonhar novamente.