Textos



CAPÍTULO 3

1. Surge a Televisão.


Assim como o cinema representou uma revolução em face do teatro, na produção, desenvolvimento e apresentação da arte cênica, a televisão significou não só uma mudança, mas uma revolução de costumes e atitudes.

Conquanto tenha herdado muito das técnicas cinematográficas, a televisão apresentava uma acentuada ligação com a imediatidade, com o tempo atual. As suas transmissões permitiam aos espectadores terem acesso visual a fatos e eventos acontecidos no mesmo dia da transmissão, como ocorreu na Inglaterra, em 1937, com a transmissão da coroação do Rei Jorge VI, assistida por cerca de cinqüenta mil espectadores.

Além deste aspecto, a televisão era um canal de comunicação e de entretenimento que, pela primeira vez na história, podia ser livremente acessado do próprio domicílio do espectador. A facilidade e comodidade na obtenção da informação ou do lazer acarretaram a simpatia e a preferência de uma parcela expressiva do público.

A televisão iniciou as suas transmissões nos Estados Unidos em 1939. A National Broadcast Company (NBC) transmitiu para cerca de 400 aparelhos na cidade de New York.

 
Mas o grande desenvolvimento da televisão nos Estados Unidos começa a se processar após o término da Segunda Guerra Mundial e o processo de cativação do público acentua-se na década de cinqüenta, quando começam a surgir as grandes produções feitas exclusivamente para a televisão, principalmente com o surgimento dos seriados.

Neste ponto, a televisão aparece como um veículo que vai ter uma influência decisiva sobre o gênero do faroeste. Com o progressivo encolhimento do gênero nos cinemas, opera-se uma migração do faroeste para a tela pequena, onde conquista uma grande fatia de público.

A explicação para o êxito desta migração talvez esteja no próprio perfil do público televisivo. Este público – em geral de idade mais avançada – era o mesmo que, nos anos trinta, vibrou com as aventuras de Buck Jones, Tom Mix e outros. Era um público que cresceu sob a popularidade estrondosa dos faroestes dos anos trinta e quarenta e que, assim, guardava certo sentimento nostálgico. Por outro lado, tratava-se de um público de caráter mais conservador, mais arraigado aos antigos valores americanos, e que repudiavam as inovações trazidas pelo rock n’ roll e pelo cinema de estética mais irreverente a serviço de temas contestadores que surgem a partir do início dos anos sessenta.
 
2 – O Faroeste na Televisão. Os Novos Clássicos.


A televisão acolheu de forma entusiástica o faroeste. Encerrou na pequena dimensão da sua tela as imensas pradarias, as cidades, os saloons, o austero Forte da cavalaria, os xerifes e os pistoleiros. Uma tarefa nada fácil, visto que pela própria temática do faroeste, o seu lugar por excelência é a tela grande, a sala escura do cinema, onde o envolvimento com o pano de fundo das heróicas aventuras dos heróis do Oeste se opera de forma mais integral.

Mas o resultado final foi melhor do que se podia esperar. O processo de adaptação do faroeste à televisão foi vitorioso e chegou mesmo a gerar frutos aos quais, sem dúvida, não se pode negar, hoje em dia, o status de clássicos do gênero.

Em 1950 surge a série Cisco Kid, que se estendeu até o ano de 1956. No papel de Cisco Kid, o ator espanhol Duncan Renaldo. Esta série ganhou o ‘Emmy’ (prêmio maior da TV norte americana) em 1951, na categoria Melhor Programa para Crianças.

 
Em 1951, duas novas séries passam a ser exibidas. A primeira e de maior duração foi As Aventuras de Wild Bill Hickok (Adventures of Wild Bill Hickok, The) exibida de 1951 a 1958, tendo Guy Madison, jovem ator em início de carreira – e que, anos mais tarde, iria participar do faroeste italiano – no papel do famoso pistoleiro. A abordagem dada à figura real do pistoleiro Wild Bill era devidamente amenizada, tornando a série adequada até para o público infantil. Madison dividia a cena com Andy Devine, um conhecido ator cômico, com longa vivência no gênero – foi o cocheiro em No Tempo das Diligências (Stagecoach) -, e que era responsável pelo toque de humor e leveza da série.

Também em 1951 surge As Aventuras de Kit Carson (Adventures of Kit Carson, The), que foi exibida de 1951 a 1955. O ator Bill Williams viveu o famoso ‘scout’ americano, historicamente responsável pela perseguição ao povo Navajo .

Mas o ano de 1951 marca, principalmente, a absorção pela televisão de um veterano ator do faroeste, egresso do cinema. Trata-se da estréia do Roy Rogers Show, que foi ao ar de 1951 a 1957. Ao longo de cem episódios de trinta minutos de duração, Roy Rogers - que atuou ativamente durante os anos quarenta em sessenta e dois faroestes, tais como Nevada City (1941), O Rei dos Cowboys (King of the Cowboys) de 1943 e Os Sinos de Santo Ângelo (Bells of San Ângelo) de 1947 – se uniu à sua esposa e companheira de aventuras Dale Evans em uma série que marcou época
.

Seguindo a tendência predominante das séries de faroeste na televisão, e também considerando o estilo desenvolvido por Rogers no cinema, a série caracterizava-se por apresentar um clima leve, com pouca ou nenhuma violência, além de investir no ângulo cômico. Aqui quem se encarregava deste aspecto era o ator Pat Brady, um tipo magrelo e atrapalhado, sempre montado em seu jeep chamado Nellybelle. Brady era um antigo parceiro de Rogers, tendo atuado com ele no cinema.

Mais foi em 1954 que surgiu uma das mais emblemáticas séries de televisão no gênero de faroeste. As Aventuras de Rin Tin Tin (Adventures of Rin Tin Tin, The), que se estendeu ao longo de cinco temporadas, de 1954 a 1959. Verdadeiro clássico da televisão americana, a série contava as aventuras do garoto Rusty (brilhantemente interpretado pelo ator mirim Lee Aaker) que teve a sua família morta em um ataque dos índios e que foi adotado por uma unidade da cavalaria americana, passando a ser conhecido como ‘Cabo Rusty’.

Ao lado de um cão pastor alemão – a grande estrela da série, o cão Rin Tin Tin – Rusty e seus amigos, o Tenente Rip Masters (vivido pelo ator James L. Brown) e o atrapalhado Sargento O’Hara (o veterano coadjuvante Joe Sawyer, que atuou em faroestes célebres como A Estrada de Santa Fé (Santa Fé Trail), de 1940, dirigido por Michael Curtiz e O Proscrito (Outlaw, The) de 1943, dirigido pelo excêntrico milionário Howard Hughes) viviam as mais diversas aventuras, sempre tendo o Forte e as atividades da cavalaria como pano de fundo.

A rede de televisão CBS em 1955 lança a série que, para muitos, é a melhor e mais importante série televisiva de faroeste já produzida. Trata-se de Gunsmoke, que conta as aventuras do xerife Matt Dillon (vivido pelo ator James Arness) na cidade de Dodge City.

 
Gunsmoke detém um recorde até o momento longe de ser superado. Foi e ainda continua sendo a série de TV mais longa de todos os tempos, indo de 1955 a 1975. Vinte anos, portanto, e com pouquíssima variação no elenco que desempenhava os personagens centrais da série. James Arness atuou durante toda a série, assim como o ator Milburn Stone, que fazia o Doutor Adams e a atriz Amanda Blake, que vivia Kitty Russel, a dona do saloon. Ao todo, foram 635 (seiscentos e trinta e cinco) episódios ao longo de 20 (vinte) temporadas.

Estes dados de longevidade de Gunsmoke impressionam. Para se estabelecer uma comparação, outra longa série de televisão, também de faroeste, Bonanza, que narrava as aventuras da família Carwright em seu rancho Ponderosa, começou a ser produzida em 1959 e encerrou-se em 1973. E Bonanza, com quatorze anos de existência, é a série no gênero que mais se aproxima em duração à Gunsmoke.

O êxito da série pode ser creditado a diversos fatores. Em primeiro lugar, o excelente trabalho de James Arness como Matt Dillon, em uma performance que se afastou, sobremaneira, dos maneirismos e exageros de outros atores do gênero. Aqui uma curiosidade: James Arness foi indicado para o papel por seu amigo de muitos anos, John Wayne.
De outra mão, os temas tratados na série eram mais densos e sérios, com uma abordagem que, sem ser revolucionária no formato e na narrativa, traziam questões como dramas familiares, solidão, choque de gerações etc.

A série também contou entre o seu elenco de diretores ao longo das suas vinte temporadas com nomes de destaque, como Mark Rydell (que dirigiu o último filme de Henry Fonda, Num Lago Dourado (On Golden Pond) de 1981), Andrew V. McLagen ( já citado como um dos nomes de destaque do faroeste nos anos sessenta) e Sam Peckinpah, um dos maiores nomes do cinema americano nos anos sessenta e setenta, autor de faroestes clássicos como Meu Ódio será Tua Herança (Wild Bunch, The) de 1969 e Pistoleiros do Entardecer (Ride the High Country) de 1961, último filme do famoso ‘cowboy’ Randolph Scott.

Os anos sessenta, além de Gunsmoke e Bonanza, que se iniciaram na década anterior, viram surgir séries de faroeste de sucesso. Neste sentido, vale lembrar Daniel Boone sobre o famoso pioneiro, vivido por Fess Parker (série que se iniciou em 1964 e durou até 1970), Bat Masterson (série que se destaca pela marcante performance de Gene Barry, que fez de Masterson, um personagem real, um ‘dândi’) e As Aventuras de James West (Wild, Wild West, The) recentemente refilmada em um desastroso longa metragem com Will Smith e Kevin Kline.

 
Apresentado este quadro do faroeste na televisão, é de lembrar que o faroeste italiano inicia-se quando grande parte destas produções vivia sua época áurea na tela pequena. Porém, como se verá em momento próprio, não se detecta nenhuma influência direta destas novas produções televisivas sobre os filmes italianos de faroeste que, neste sentido, introduzem novos elementos ao gênero, que serão absorvidos posteriormente, inclusive pelo próprio cinema americano.

No capítulo seguinte, passa-se a analisar o processo de transferência do gênero do faroeste para a Europa, não sem antes abordar, ainda que brevemente, um panorama do cinema italiano, principalmente no período posterior á Segunda Guerra Mundial, visando apresentar o cenário em que o ciclo dos chamados ‘western spaghetti’ iria se desenvolver a partir de meados da década de sessenta.

 


alexandre gazineo
Enviado por alexandre gazineo em 11/05/2007
Alterado em 20/05/2013


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